Últimas Notícias
Home / Parecer Jurídico

Parecer Jurídico

Música alta, barulhos de animais, gritaria, soltura de fogos de estampido, ruídos provocados por equipamentos, buzina e alarme de veículo automotor, obras de construção e de reforma e indústria ruidosa são exemplos de situações que incomodam e desrespeitam o direito de todos a viverem em um meio ambiente equilibrado.

A questão do excesso de ruídos toma proporções indevidas quando um indivíduo, a pretexto de se divertir ou trabalhar, acaba invadindo, com seu barulho, o modo de vida de outrem, que se vê obrigado a interromper uma leitura, um trabalho ou mesmo um descanso.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2.009, p. 221) conceitua som como “qualquer variação de pressão (no ar, na água…) que o ouvido humano possa captar”, e ruído, “o som ou conjunto de sons indesejáveis, desagradáveis, perturbadores”.

O excesso de barulho é proibido em qualquer horário, do dia ou da noite, e a ideia das 22 horas serem um limite usual é uma crença. Não existe tal determinação em nenhuma norma legal.

Lentamente, o ruído, que possui a natureza jurídica de agente poluente, causa “estresse, distúrbios físicos, mentais e psicológicos, insônia e problemas auditivos” (FIORILLO, 2.009, p. 222). Outras consequências insalubres apresentadas por quem sofre perturbações sonoras são: “aumento da pressão arterial, paralisação do estômago e intestino, má irrigação da pele e até mesmo impotência sexual” (FIORILLO, 2.009, p. 222).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 garante o princípio da preservação do meio ambiente e expressa no art. 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

O dever de preservação será por parte do Estado e da coletividade, tendo em vista que o meio ambiente é um bem de fruição geral da coletividade, de natureza difusa, tido como res omnium, seja, coisa de todos. Dessa forma, cabe a todos utilizar o meio ambiente de forma racional sem lesar o direito de cada ser humano à sadia qualidade de vida.

O direito de viver sem barulhos incômodos é tutelado pelos artigos 42 e 65 do Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1.941, a Lei de Contravenções Penais; pelo artigo 54 da lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998, a Lei dos Crimes Ambientais; e pelos artigos 228 e 229 da lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1.997, o Código de Trânsito Brasileiro.

Direito de propriedade e direito de vizinhança

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXII, garante o direito de propriedade, mas tal direito não é absoluto, tendo em vista que o inciso seguinte determina que “a propriedade atenderá a sua função social”.

Em consonância com a Constituição, o Código Civil de 2.002, no artigo 1.228, § 1º, proclama que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais” e determina no § 2º do mesmo artigo que “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”.

Como leciona Carlos Roberto Gonçalves (2.010, p. 349),

O direito de propriedade, malgrado seja o mais amplo dos direitos subjetivos concedidos ao homem no campo patrimonial, sofre inúmeras restrições ao seu exercício, impostas não só no interesse coletivo, senão também no interesse individual. Dentre as últimas destacam-se as determinadas pelas relações de vizinhança.

As regras que constituem o direito de vizinhança destinam-se a evitar conflitos de interesses entre proprietários de prédios contíguos. Têm sempre em mira a necessidade de conciliar o exercício do direito de propriedade com as relações de vizinhança, uma vez que sempre é possível o advento de conflitos entre os confinantes.

Tais regras configuram limitações impostas pela boa convivência social, para se evitar atos nocivos, prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde da vizinhança e tornar possível a coexistência social.

“A ilicitude não reside apenas na violação de uma norma ou do ordenamento em geral, mas principalmente na ofensa ao direito de outrem, em desacordo com a regra geral pela qual ninguém deve prejudicar o próximo (neminem laedere)” (VENOSA, 2.007, p. 281).

O artigo 1.277 do Código Civil assegura que “o proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha” e seu parágrafo único determina que “proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinário de tolerância dos moradores da vizinhança”.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2.010, p. 351), “abusivos são os atos que, embora o causador do incômodo se mantenha nos limites de sua propriedade, mesmo assim vem a prejudicar o vizinho, muitas vezes sob a forma de barulho excessivo”. Esse autor considera abusivos não apenas “os atos praticados com o propósito deliberado de prejudicar o vizinho”, como também “aqueles em que o titular exerce o seu direito de modo irregular, em desacordo com a sua finalidade social”.

Haverá mau uso da propriedade ainda que não exista o propósito de prejudicar ou incomodar o vizinho.

O fato do incômodo por si só é condição real para que o direito subjetivo de vizinhança seja apto para se por termo à perturbação.

Clayton Reis (2.002, pp. 57-58) assegura que

Quando ultrapassamos a fronteira existente entre o nosso direito e o do próximo, violamos um dever moral consistente na obrigação de respeitar a integridade física e psíquica do nosso vizinho. A obrigação de não causar prejuízo a ninguém é o retrato de uma regra primária de convivência harmoniosa, princípio de comportamento moral sobre o qual se assentam todas as regras de direito.

O direito de propriedade é limitado pela proibição de causar dano ao direito do vizinho. Se do ato abusivo resultou qualquer dano, o lesado pode exigir reparação com base nos artigos 186, 187 e 1.278 do Código Civil.

Perturbação da tranquilidade e perturbação do trabalho e do sossego alheios

Barulhos incômodos caracterizam ofensa ao direito à tranquilidade e ao sossego e são motivos legais para que o indivíduo que está sendo perturbado acione o Poder Judiciário para ver seu direito respeitado.

Valdir Sznick (1.991, p. 207) certifica que

O ruído provoca uma diminuição da potencialidade do indivíduo, dispersando a sua atenção, impedindo a concentração, e chegando a ser incômodo à própria saúde: aos nervos, abalando-os, causando irritabilidade e provocando, em grau mais intenso, perturbações mentais.

“A música, tocada alta, também perturba a atenção, desviando-a, e impedindo a concentração. Os sons, mesmo harmônicos, mas de maneira incômoda acabam por exercer influência no psiquismo” (SZNICK, 1.991, p. 208).

Tanto a perturbação da tranquilidade (art. 65) quanto a perturbação do trabalho e do sossego alheios (art. 42) são contravenções penais tipificadas no Decreto-Lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1.941.

O artigo 42 estabelece que

Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda:

Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

As condutas típicas desse artigo “consistem em causar perturbação à tranqüilidade das pessoas mediante gritaria ou algazarra, exercício de profissão ruidosa, abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos e provocação de barulho por intermédio de animais” (JESUS, 2.001, p. 138).

“A proteção é à tranqüilidade que é necessária ao repouso e ao trabalho. Ambos – repouso e trabalho – são o esteio da humanidade” (SZNICK, 1.991, p. 202). Trabalho é “qualquer atividade laborativa legítima que vise ou não o lucro” e sossego é “tranqüilidade, repouso, descanso” (SZNICK, 1.991, p. 204).

O artigo 65 da Lei de Contravenções Penais objetiva proteger o tranquilidade pessoal:

“Molestar alguém ou perturba-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:

Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa”.

Molestar é aborrecer, importunar, incomodar, irritar, ofender, atormentar, intranqüilizar. Perturbar significa importunar, atrapalhar a tranquilidade, causar transtorno, interromper alguma coisa. Valdir Sznick (1.991, p. 319) diz que “molestar e perturbar são atividades que se complementam na ofensa ao indivíduo e sua tranquilidade”, e Damásio de Jesus (2.001, p. 216) entende que a “molestação ou perturbação pode ser momentânea ou duradoura”.

Para configurar a perturbação da tranquilidade, é necessário o dolo motivado e são elementos desse dolo o acinte e o motivo reprovável. Acinte é a intenção, o propósito de perturbar, “se caracteriza pela insolência, pelo desrespeito quando não pela grosseria e, até pela ousadia” (SZNICK, 1.991, p. 321). Motivo reprovável é o desprezível, censurável, pretexto gratuito, fútil. Exemplo dessa contravenção é quando o infrator coloca música a fim de atrapalhar o descanso ou o estudo de morador da residência vizinha.

Apesar da lei não expressar a quantidade de sujeito passivo das duas infrações, a doutrina entende que “a contravenção do art. 42 perturba o sossego de um número indeterminado de pessoas; a do art. 65, a tranqüilidade de pessoa determinada” (JESUS, 2.001, p. 138).

Em qualquer das infrações penais, não há necessidade da medição do nível de intensidade sonora, ou seja, prova pericial para comprovar sua materialidade, bastando que o ofendido se sinta incomodado e acione a Polícia Militar, que lavrará um boletim de ocorrência. De posse do boletim de ocorrência, o ofendido fará uma representação na Polícia Civil, que remetará o inquérito ao Juizado Especial Criminal.

Poluição sonora

A infração penal de poluição sonora é crime previsto no artigo 54 da lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998:

Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O referido artigo trata “da proteção direta à incolumidade físico-psíquica da pessoa humana (danos à saúde humana)” (FIORILLO, 2.009, p. 530).

A poluição sonora, pela natureza do bem jurídico tutelado, atinge pessoas certas e determinadas, como também pessoas indeterminadas. “Essa poluição deverá resultar ou, ao menos, ter potencialidade de resultar danos á saúde humana” (FIORILLO, 2.009, p. 235), daí a necessidade de prova pericial técnica para aferição da quantidade de decibéis (dB).

A tutela jurídica do meio ambiente e da saúde humana é regulada pelo Conselho Nacional do meio Ambiente – Conama, que decretou a Resolução n. 1/90, a qual adota os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pela NBR n. 10.152, cujo teor é relativo à avaliação do ruído em áreas habitadas, objetivando o conforto da comunidade.

LOCAIS db (A)
HOSPITAIS
Apartamentos, enfermarias, berçários, centro cirúrgicos 35-45
Laboratórios, áreas para uso do público 40-50
serviços 45-55
ESCOLAS
Bibliotecas, sala de música, salas de desenho 35-45
Salas de aula, laboratório 40-50
Circulação 45-55
RESIDÊNCIAS
dormitórios 35-45
RESTAURANTES
salas de estar 40-50
RESTAURANTES 40-50
ESCRITÓRIOS
salas de reunião 30-40
salas de gerência, salas de projetos e de administração 35-45
salas de computadores 45-65
salas de mecanografia 50-60

Fonte: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2.009, pp. 223-224.

Leis municipais podem determinar os níveis sonoros aceitáveis e os horários a serem respeitados para que o excesso de som não coloque em risco nem prejudique a saúde e o bem-estar público. Os níveis máximos comumente estabelecidos nessas legislações são:

– das 7 às 19 horas (horário diurno): 70 dB;

– das 19 às 22 horas (horário noturno com atividade): 60 dB; e

– das 22 às 7 horas (horário noturno sem atividade): 50 dB.

Código de Trânsito Brasileiro

A poluição sonora causada por veículos automotores também pode ser apurada e o poluidor está sujeito a infrações administrativas.

O controle de emissão de ruídos emanados por veículos é determinado conforme as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Trânsito – Contran.

Dispõe o artigo 228 que

Usar no veículo equipamento com som em volume ou frequência que não sejam autorizados pelo CONTRAN:

Infração – grave;

Penalidade – multa

Medida administrativa – retenção do veículo para regularização.

O referido artigo é regulado pela resolução CONTRAN n. 204, de 20 de outubro de 2.006, que regulamenta o volume e a frequência dos sons produzidos por equipamentos utilizados em veículos e estabelece metodologia para medição a ser adotada pelas autoridades de trânsito e seus agentes.

O artigo 229 do mencionado Código protege o sossego público ao determinar que

Usar indevidamente no veículo aparelho de alarme ou que produza sons e ruído que perturbem o sossego público, em desacordo com normas fixadas pelo CONTRAN:

Infração – média;

Penalidade – multa e apreensão do veículo;

Medida administrativa – remoção do veículo.

A resolução CONTRAN n. 37, de 21 de maio de 1.998, regula o supracitado artigo e fixa normas de utilização de alarmes sonoros e outros acessórios de segurança contra furto ou roubo para os veículos automotores.

A utilização do carro como se fosse uma “usina de som” ou uma “boate itinerante” pode configurar desrespeito à paz pública ou á tranquilidade pessoal e, dependendo da intensidade do ruído, ser tipificado como poluição sonora.

Ação do ofendido

É direito do ofendido recorrer ao Poder Judiciário para ter sua tranquilidade assegurada e que as leis sejam efetivamente aplicadas. Ademais, o lesado não deve temer represálias por parte do perturbador, que pode ser indiciado pro crime de ameaça e injúria, além de ser processado por danos morais.

Diante do barulho provocado pelo vizinho, o ofendido pode acionar a Polícia Militar que lavrará o boletim de ocorrência relatando a infração. Há de se lembrar que não há necessidade de medição por decibelímetro no caso das contravenções de perturbação da tranquilidade e de perturbação do trabalho e do sossego alheios, salvo no crime de poluição sonora, que exige a materialidade do ato.

Quem sofre com o barulho incômodo pode fazer uma representação em uma unidade da Polícia Civil, cujo delegado instaurará a ação penal e encaminhará o termo para o Juizado Especial Criminal da comarca.

Outro caminho para solucionar o ilícito é fazer denúncia da infração na Secretaria Municipal do Meio Ambiente ou uma representação no Ministério Público. Na Promotoria, o ofendido fornecerá os dados do infrator e fará uma representação por declaração ou por escrito, podendo esta ser anônima. Assim, haverá a abertura de um inquérito civil ou de uma ação civil pública.

As atividades humanas devem ser efetuadas dentro das normas de convivência pacífica, baseadas no respeito ao próximo e no dever de não prejudicar ninguém e na obediência às leis, para que todos possam usufruir de melhor qualidade de vida.

Referências Bibliográficas

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2.009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2.010.

JESUS, Damásio E. de. Lei das contravenções penais anotada. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2.001.

REIS, Clayton. “O verdadeiro sentido da indenização dos danos morais” in LEITE, Eduardo de Oliveira (coord.). Grandes temas da atualidade – Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense, 2.002.

SZNICK, Valdir. Contravenções penais. 3. ed. São Paulo: Livraria e editora universitária de Direito Ltda., 1.991.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2.007.

Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAÚJO, Fabíola dos Santos. Barulho urbano: perturbação da tranquilidade, perturbação do trabalho e do sossego alheios e poluição sonora.

Conteudo Juridico, Brasilia-DF: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,barulho-urbano-perturbacao-da-tranquilidade-perturbacao-do-trabalho-e-do-sossego-alheios-e-poluicao-sonora,35383.html

Compartilhe: